Recentemente, assisti a um vídeo da renomada psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa, no qual ela discutia a postura de quem testemunha situações de violência, mas escolhe não agir. Uma frase dela me marcou profundamente: “Se você concorda com o lobo, você sacrifica a ovelha”. A frase ressoou como um lembrete, justamente em um momento após ter sido questionada sobre a minha atuação como porta-voz dessa triste realidade do nosso país. Essa reflexão me levou a questionar qual é, de fato, o nosso papel no combate à violência contra as mulheres.
Penso que seria leviano trazer uma resposta pronta para todas as situações possíveis. Cada caso exige discernimento e sensibilidade. Quando estamos diante de violações da ordem jurídica, da prática de crimes ou ameaças graves, a única atitude possível é acionar os órgãos competentes para que tomem as medidas cabíveis. No entanto, em contextos que não envolvem um perigo real ou iminente, devemos observar com atenção: estamos diante de indivíduos potencialmente violentos ou de manifestações enraizadas de um machismo estrutural que ainda permeia nossa sociedade?
Reconhecer essa diferença é essencial para que possamos agir de maneira eficaz. O silêncio e a omissão perpetuam a violência, mas é preciso compreender quando intervir diretamente e quando é mais seguro buscar apoio institucional. O enfrentamento à violência contra as mulheres não se resume a grandes atos heroicos, mas também ao compromisso diário de desconstruir comportamentos e questionar padrões que perpetuam a desigualdade. Ignorar a violência não nos torna neutros: pelo contrário, perpetua o sofrimento das vítimas e fortalece o opressor. Já dizia Martin Luther King: “o que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Ou seja, se escolhemos ignorar a injustiça, estamos, de alguma forma, permitindo que ela continue existindo.
De outro lado, se estamos diante de situação que não nos representa ameaça, e sim, que se apresenta como reflexo de uma sociedade machista, o primeiro passo é entender que o seu enfrentamento exige ação contínua e consciente, tanto no nível individual quanto coletivo. Acredito que é extremamente necessário conscientizar os homens de modo a envolvê-los e posicioná-los contra todo e qualquer tipo de violência de gênero.
E isso vai muito além de entender sobre a conduta de modo a não praticá-la, ultrapassando a esfera pessoal para alcançar o círculo próximo e das relações profissionais. Lembro que, uma vez, em uma palestra debati que, embora quase todo mundo saiba que é crime ofender e praticar atos de violência contra uma mulher, poucos estão dispostos a romper laços ou relações comerciais com aquele que a pratica – muitas vezes encobertos pelo discurso de que devemos separar relação profissional da pessoal ou pela convenção social de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.
Outro ponto essencial é reconhecer e combater comportamentos que impõem submissão e sobrecarga às mulheres, ao mesmo tempo em que supervalorizam o papel masculino. Para isso, é necessário educar as mulheres para que identifiquem essas situações e saibam impor limites. Romper com o medo, a insegurança e as barreiras culturais é um passo fundamental para fortalecer a autoconfiança e garantir que as mulheres ocupem seu espaço de direito na sociedade. Dentre essas atitudes, também é importante buscar uma rede de apoio ou pessoa de confiança e perder a vergonha de denunciar – o Estado de Minas Gerais, por exemplo, tem uma plataforma de conteúdo e suporte às vítimas chamada “MG Mulher”.
Se queremos uma sociedade mais justa e igualitária, não podemos mais nos calar. O enfrentamento à violência contra as mulheres começa no dia a dia, nas pequenas atitudes, nas conversas que promovem conscientização e na coragem de não aceitar o inaceitável. O futuro depende das escolhas que fazemos hoje.