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Entrevista: Poeta documentado

Em filme inédito, jornalista dialoga com Affonso Ávila, através de depoimentos considerações, rememorações, oralizações e reflexões no campo da sua obra

Para Eleonora Santa Rosa, o documentário deixará os espectadores ávidos pela obra de Ávila e curiosos em conhecer as facetas diversas de sua produção

Poeta com uma trajetória respeitada e consagrada no meio intelectual e artístico nacional e internacional, Affonso Ávila merecia ter sua vida transformada em filme - e virou - e em forma de documentário, dirigido pela jornalista, gestora e produtora, Eleonora Santa Rosa.

Em “Cristina 1300 – Affonso Ávila – Homem ao termo”, a jornalista focou, na obra, em gravações feitas na casa do poeta em BH, como também em Ouro Preto.

Nesta entrevista ao CIDADE CONECTA, ela conta sobre os bastidores do documentário que estreou nesta semana no Centro Cultural Unimed-BH Minas/Minas Tênis Clube, onde fica em cartaz até dia 28 de agosto. Em breve, irá para outras capitas – datas ainda indefinidas.

De que maneira o documentário captura a complexidade e a originalidade da linguagem poética de Affonso Ávila?

Creio que este era o grande desafio do nosso trabalho. Affonso é um poeta importantíssimo, com uma trajetória respeitada e consagrada no meio intelectual e artístico nacional e internacional, criador de uma obra tanto ensaística quanto poética singular, marcada por uma dicção pessoal, referencial, única. Nossa ideia era dialogar com o poeta, tendo como eixo seu próprio depoimento, suas considerações, rememorações, oralizações e reflexões no campo da sua poesia. As entrevistas que fizemos originaram um material de alto valor documental, inédito, com nuances muito preciosas, apresentando ao público o poeta com toda sua verve, humor, rigor e inconformidade. A vida poética passada em revista, reverberando a atualidade do seu legado. O roteiro refletiu justamente essa preocupação de não produzirmos um filme dissociado da excelência e potência inventiva do autor, mas construirmos um diálogo contemporâneo com ele, 11 anos após seu falecimento, por meio de um sofisticado encadeamento gráfico, visual e sonoro dos textos poéticos selecionados, entremeado às suas falas. Acredito que atingimos o objetivo.

Qual é a importância de um projeto como esse para o modernismo brasileiro e o barroco mineiro?

Sem parecermos cabotinos, penso que um tipo de produção como a nossa colabora para a ampliação do repertório de filmes dedicados a autores no campo da poesia, ainda escassos no panorama da cinematografia nacional a partir de uma perspectiva inusual. Ao mesmo tempo, cabe-nos ressaltar que o foco do nosso documentário é a poesia avilaniana e não sua obra ensaística, por certo fundamental para a compreensão do barroco no Brasil, muito especialmente em Minas Gerais, assim como suas contribuições críticas inovadoras sobre o modernismo. Por opção, decidimos que a poesia seria a peça principal do filme, em toda sua expressão, inovação, ressonância e atemporalidade. O documentário, sem dúvida, deixará os espectadores ávidos pela obra de Ávila, curiosos em conhecer as facetas diversas de sua produção, lembrando, ainda, que seu percurso no território do barroco se deu em função de pesquisas empreendidas para a elaboração de seu livro seminal - Código de Minas, publicado em 1969 (cujo processo de construção levou quatro anos, de 1963 a 1967). Por necessidade de aprofundar-se em textos históricos sobre Minas, Affonso acabou por se tornar um especialista no assunto, com a publicação de seu extraordinário Resíduos Seiscentistas em Minas Gerais, concluído em 1966 e lançado em 1967, livro que ganharia os principais prêmios locais e nacionais de ensaio naquele período, e, posteriormente, em 1969/1970, de seu alentado, referencial e premiado O Lúdico e as Projeções do Mundo Barroco. Affonso é um autor que processa uma fina alquimia entre poesia e análise sociocultural.

O poeta participou do início do projeto e como a perspectiva dele contribui para uma compreensão mais ampla do seu legado?

Quando começamos a gravar em 2010, imaginávamos, ainda, um tipo de documentário tradicional, com o universo familiar, os amigos, a crítica, os especialistas, a partir de um roteiro, vamos dizer, assim, linear. As leituras dele em estúdio refletiram também as escolhas poéticas dele, complementadas com outros poemas que eu considerava fundamentais. No entanto, sobretudo no momento da montagem e edição, que aconteceu em 2023, escrevi o argumento e, posteriormente, o roteiro, ambos lastreados, integralmente, na seleção de trechos de seus depoimentos, encadeados por suas leituras em estúdio, espelhando sua aura, seu olhar, suas feições. Considerei essa a opção a mais adequada ao que queria mostrar, sem o perigo de incensamentos e celebrações de terceiros, portanto, o poeta por si próprio, por sua ótica, por sua perspectiva. Enfim, a voz protagonista é a dele.

Quais foram os desafios em assumir a direção do documentário e conciliar com a produção executiva?

Inúmeros e complexos, pois, inicialmente, seria responsável pela realização e produção do filme. Em função de uma série de reviravoltas no processo de viabilização de patrocínio, montagem da equipe e de outras questões, a partir de sugestão feita por Carlos Adriano, cineasta paulista que tinha convidado para dirigir o documentário, e de Marcelo Braga, meu parceiro nas filmagens e amigo de longa data, acabei assumindo a tarefa da direção do documentário, não só pela intimidade com o material gerado e com a poesia de Affonso (convivemos por 31 anos no universo familiar e de trabalho), como também por minha visão da estrutura preliminar do filme e seu encadeamento. Aceitei o desafio, submergi por um ano na releitura de toda a obra poética, nos registros das filmagens que fizemos em sua casa, em Ouro Preto e no estúdio, na pesquisa da fortuna crítica dedicada à sua produção e no levantamento do vasto material de imprensa e outros documentos a seu respeito. Como resultado, elaborei o argumento original e o roteiro final (que ainda contou colaborações críticas de Eduardo de Jesus e Marcelo Braga), com a estruturação dos eixos, a seleção de poemas apresentados e as falas do poeta, assumindo também a narração do filme. Um dos maiores e mais complexos e inesperados desafios da minha vida profissional. Por fim, importante destacar o convite que fiz à querida Vera Holtz para uma participação especial na leitura de alguns poemas. Uma voz e tanto para um poeta e tanto.

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