Pela primeira vez, personagens centrais da crise institucional que culminou nos ataques às sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro 2023, em Brasília, vão se encarar frente a frente no Supremo Tribunal Federal. O ministro Alexandre de Moraes marcou para esta terça-feira (24) duas acareações entre réus e testemunhas de ações penais que investigam a suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Os encontros serão realizados a portas fechadas, sem presença da imprensa e sem transmissão. Apenas Moraes, os advogados e os envolvidos terão acesso.
MAURO CID X BRAGA NETTO
A primeira acareação colocará frente a frente o general da reserva Walter Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid, delator e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. A defesa de Braga Netto sustenta que há divergências relevantes entre as versões dos dois.
O principal ponto de conflito envolve uma reunião na casa do general, em novembro de 2022. Segundo Cid, o encontro foi usado para discutir o plano “Punhal Verde e Amarelo”, em meio a críticas sobre o resultado das eleições e o papel das Forças Armadas.
Em seu depoimento à Polícia Federal, o militar relatou que, ao final da conversa, foi dispensado por Braga Netto sob a justificativa de que seriam discutidas “medidas operacionais”, que, por sua função oficial, ele não deveria acompanhar. O general nega que o encontro tenha tido esse conteúdo ou qualquer viés conspiratório.
Cid também declarou que recebeu dinheiro de Braga Netto para financiar acampamentos golpistas. A quantia, segundo ele, foi entregue em uma caixa de vinho, no Palácio da Alvorada, e repassada a um intermediário conhecido como “kid preto”. A defesa do general afirma que o episódio jamais ocorreu.
ANDERSON TORRES X FREIRE GOMES
A segunda acareação reunirá o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército. Enquanto Freire é testemunha, Torres figura como réu. A defesa do ex-ministro afirma que o general fez declarações imprecisas e contraditórias sobre uma suposta reunião com Jair Bolsonaro e os comandantes militares para discutir temas de teor golpista.
Os advogados de Torres sustentam que outros comandantes ouvidos pela Justiça negaram a realização da reunião. Apontam ainda que Freire Gomes não soube indicar data, local ou participantes do encontro, dizendo apenas que “lembra” da presença de Torres em uma ocasião que trataria de assuntos antidemocráticos. Para a defesa, o depoimento carece de consistência e coloca em dúvida a versão do general.
As acareações são utilizadas no processo penal quando há versões incompatíveis entre envolvidos. O objetivo é colocar os declarantes frente a frente para esclarecer contradições diretamente, sob a condução do juiz. Durante a sessão, o magistrado aponta os pontos conflitantes e dá oportunidade para que os envolvidos confirmem, neguem ou se retratem.
As sessões desta terça ocorrem em meio a uma nova etapa da investigação da Polícia Federal, que apura tentativas de obstrução de justiça e de manipulação do conteúdo da delação de Mauro Cid - fatos que resultaram na prisão preventiva de Marcelo Câmara, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro.