Durou cerca de oito horas o depoimento do ex-ministro da Justiça Anderson Torres à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, realizado nesta terça-feira (8). Na época do ataque aos Três Poderes, Torres ocupava o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
Apesar de ter sido autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a ficar em silêncio durante o depoimento, Torres não se calou e respondeu às perguntas feitas pelos deputados e senadores da comissão.
Durante a oitiva, Torres disse que, até a noite de 6 de janeiro, não recebeu nenhuma informação de que haveriam atos na Esplanada dos Ministérios dois dias depois.
Entretanto, mesmo dizendo não ter as informações de que aconteceriam os protestos, afirmou que se o Protocolo de Ações Integradas (PAI) fosse colocado em prática pelas autoridades de segurança, “seríamos poupados dos lamentáveis atos”.
“O protocolo, a que os senhores [parlamentares] podem ter acesso, previa ainda a vedação da utilização por manifestantes de instrumentos capazes de produzir lesões corporais, danos ao patrimônio, como mastros de bandeiras, material de PVC, material metálico, madeiras, enfim, todo e qualquer material que pudesse causar algum dano”, explica o ex-secretário.
“[O plano] Também diz que as informações e orientações nele prestadas não impedem ou desobrigam instituições e órgãos e agências envolvidos a adotarem medidas de segurança de sua competência durante o curso do evento”, continua.
Em sua fala, o ex-secretário reiterou que o protocolo previa o fechamento da Esplanada dos Ministérios.
Viagem aos Estados Unidos
Torres argumentou que viajou de férias com sua família para os Estados Unidos, na noite do dia 6, após enviar o documento com as ações para todos os órgãos envolvidos.
“Essa viagem foi programada com antecedência, e as passagens, compradas em 21 de novembro. Comuniquei ao governador sobre minha viagem e informei ao secretário-executivo, sr. Fernando de Sousa Oliveira, que ficaria responsável pela secretaria em minha ausência. Se eu tivesse recebido qualquer alerta ou informe de inteligência indicando risco iminente de violência ou vandalismo, não teria viajado”, fundamenta.
Falta de policiais
Anderson Torres disse ainda que faltaram policiais para conter atos de vandalismo nas sedes dos Três Poderes.
Após essa declaração, a relatora da CPMI, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) disse à CNN que pretende convocar o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), para depor à comissão.
A CNN procurou o governador Ibaneis Rocha, mas não obteve resposta.
O ex-secretário disse ainda que a Secretaria de Segurança Pública era responsável pelo planejamento da operação, e não pela execução do plano.
“O que o protocolo colocou para a PM, a PM tem que cumprir; o que o protocolo colocou para a Polícia Civil, a Polícia Civil tem que cumprir. Meios, efetivos, número de homens, é com cada instituição”, disse.
Após a fala de Torres, Eliziane Gama disse ver um “jogo de responsabilidade” entre as autoridades que atuavam no comando da segurança à época.
“Fica um jogo de responsabilidade e o que a gente vê é o cenário que acompanhamos, de destruição das sedes dos poderes do país”, assegura a relatora.
“Minuta do golpe”
De acordo com Torres, a “minuta do golpe” encontrada em sua casa pela Polícia Federal logo após os atos do 8 de janeiro não foi destruída por “mero descuido”. Ele classificou o texto do documento como “imprestável”.
“No dia 10 de janeiro, durante uma busca e apreensão em minha casa, a polícia encontrou um texto apócrifo, sem data, uma fantasiosa minuta, que vai para a coleção de absurdos que constantemente chegam aos detentores de cargos públicos”, disse.
“Basta uma breve leitura para que se perceba ser imprestável para qualquer fim, uma verdadeira aberração jurídica. Esse papel não foi para o lixo por mero descuido. Não sei quem entregou esse documento apócrifo e desconheço as circunstâncias em que foi produzido. Sequer cogitei encaminhar ou mostrar para alguém. Soube, pela imprensa, que outras pessoas haviam recebido documentos com teor semelhante e que esse circulava, inclusive, pela internet.”
Segundo Torres, vários documentos, de diversas fontes, eram enviados para serem submetidos ao ministro. Ele acrescentou que, em razão da sobrecarga de trabalho, acabava levando a pasta de documentos para casa.
“Os documentos importantes eram despachados e retornavam ao ministério, sendo os demais descartados. Um desses documentos deixados para descarte foi o texto chamado de minuta do golpe”, justificou.
Respostas mesmo com autorização de silêncio
Assistido por uma decisão para poder ficar em silêncio dada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, Torres não se calou e respondeu aos questionamentos realizados na CPMI.
“Mesmo com uma decisão judicial que me permitia ficar em silêncio, eu resolvi não ficar em silêncio, falar, esclarecer. Foi a primeira oportunidade pública, passei dias extremamente difíceis”, esclareceu Torres, que ficou preso por quatro meses.