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4 pontos-chave para entender o marco temporal das terras indígenas

Proposta é analisada pelo Senado, ao mesmo tempo em que ação é julgada no plenário do STF

Tramita no Senado Federal o projeto de lei que define o marco temporal das terras indígenas. A proposta, que já recebeu aval da Câmara dos Deputados, corre no Legislativa mesmo depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 9 votos a 2, derrubar a tese jurídica que limita a demarcação de novas terras indígenas.

No Senado, a proposta teve parecer favorável à tese do marco temporal na Comissão de Constituição e Justiça - a primeira por onde passam os projetos na Casa -, mas o relatório ainda não foi votado pelos senadores integrantes da comissão.

1 - O que é o marco temporal?

O marco temporal das terras indígenas é uma tese que defende que qualquer nova demarcação de terras indígenas no Brasil só poderá ser feita se houver comprovação de que os povos que vivem no território reivindicado estavam naquele local antes da promulgação da Constituição Federal.

Como a Carta Magna é de 5 de outubro de 1988, este seria o “marco temporal”, ou seja, a data-limite, para definir questões relativas ao assunto.

A partir do marco temporal, para que povos indígenas reivindiquem a demarcação de novas terras, deverão comprovar, por exemplo, não só que ocupavam aquele território de forma permanente, mas que também as utilizavam em atividades produtivas e necessárias para preservar recursos ambientais e à reprodução física e cultural.

2 - O que diz o projeto de lei que será votado no Senado?

A proposta que tramita no Senado foi apresentado originalmente em 2007 pelo deputado federal Homero Pereira. O texto de 16 anos atrás previa a alteração do Estatuto do Índio, uma Lei Federal de 1973 que prevê que a competência para a demarcação de terras indígenas do país é do Poder Executivo - por meio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

O parlamentar, então, apresentou o projeto de lei que muda o Estatuto e transfere essa competência da Funai para o Legislativo. Sob o argumento de “aperfeiçoamento da política indigenista”, Pereira justifica o projeto dizendo que a Funai exerce sua função “segundo critérios subjetivos próprios”.

“De fato, a demarcação das terras indígenas não se limita à política indigenista. Trata-se de matéria que ultrapassa os limites da política indigenista e atinge interesses diversos. Hoje a ponderação de todas essas questões está reduzida ao âmbito do órgão federal de assistência ao índio, que é a Fundação Nacional do Índio”, diz a justificativa que acompanha o projeto original.

O texto foi alterado diversas vezes ao longo dos últimos 16 anos e o que foi encaminhado da Câmara para o Senado é um substitutivo apresentado pelo deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Na CCJ do Senado, o relator é o senador Marcos Rogério, cujo parecer também é favorável à tese defendido pelos ruralistas.

O projeto inclui a regra do marco temporal, ou seja, restringe a demarcação de novas terras indígenas à data da promulgação da Constituição

3 - Por que o STF julgou a questão?

O Supremo Tribunal Federal recebeu, em 2016, um processo relacionado à demarcação de uma terra indígena. O RE 1017365 trata de uma ação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina contra o povo Xokleng, que ocupava uma área localizada a cerca de 200 km da capital catarinense, Florianópolis.

Há outros 80 processos na Corte sobre assuntos semelhantes e, por isso, o STF definiu o caso como de “repercussão geral”. Em casos como este, o julgamento não se limita ao objeto em si da ação, mas servirá como jurisprudência para todos os demais casos em tramitação no Supremo.

A primeira vez que o STF colocou a ação em pauta foi em setembro de 2021. Naquela ocasião, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e devolveu a ação no mês seguinte.

Em junho de 2022 o tema voltou à pauta no plenário da Corte, para análise dos 11 ministros. No entanto, o próprio presidente do STF à época, Luiz Fux, decidiu retirar a ação da pauta de julgamentos. Com a mudança na presidência do Supremo, a ministra Rosa Weber decidiu retomar a votação.

Após todos os 11 ministros votarem sobre o processo, o marco temporal foi rejeitado com nove votos - Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Apenas André Mendonça e Nunes Marques se manifestaram favoráveis.

4 - Quem é a favor e quem é contra o marco temporal?

A votação do projeto de lei na Câmara dos Deputados foi feita de forma célere, com um pedido de urgência aprovado a toque de caixa no plenário - e, posteriormente, o texto em si. Em 30 de maio, o Projeto de Lei 490/07 foi aprovado em primeiro e segundo turnos.

Votaram a favor da urgência os parlamentares da oposição ao governo Lula e boa parte do Centrão, bloco de partidos alinhados ao presidente da Casa, Arthur Lira.

O requerimento de urgência foi proposto pelo deputado bolsonarista Zé Trovão (PL-SC), que diz que a proposta é “audaciosa” e que irá acabar “com a guerra entre os indígenas e os produtores”.

O relator da matéria, Arthur Maia, diz que a aprovação do projeto acaba com “insegurança jurídica” provocada pelas autodeclarações que os povos indígenas lançam mão para criação de reservas indígenas.

“É um dos mais importantes temas para o Brasil, para o Parlamento, para a paz no campo”, afirmou.

Contra o marco temporal, votaram os deputados da base do governo. Parlamentares indígenas, como Célia Xacriabá (PSOL-MG) denunciaram a aprovação no Parlamento.

“Fala que nós que ocupamos territórios como se fôssemos invasores. Nós já estávamos aqui. O Brasil começa por nós. Um Brasil que começa por nós, mas não leva em consideração o povo originário, que defende não somente um bem prestado a nós, mas sobretudo um bem prestado à humanidade”, disse.

Editor de política. Foi repórter no jornal O Tempo e no Portal R7 e atuou no Governo de Minas. Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem MBA em Jornalismo de Dados pelo IDP.
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