Único técnico negro da Série A do Campeonato Brasileiro, Roger Machado, do Inter, vê o futebol como um amplificador da sociedade, refletindo tanto aspectos positivos quanto negativos, como o racismo. Agente importante na luta antirracista no esporte, o treinador colorado ainda observa poucos avanços em relação à pauta, tanto dentro quanto fora das quatro linhas.
Roger comentou sobre o mês da Consciência Negra e seus efeitos após a vitória de 2 a 0 do Inter sobre o Fluminense, na última sexta-feira (8), pela 33ª rodada do Campeonato Brasileiro.
“É um tema muito importante, uma data significativa: a Consciência Negra. Não deveria ser abordado apenas neste mês. Fizemos muitas evoluções, mas ainda vejo que os avanços são pequenos. Para mim, o futebol amplifica, cristaliza e aponta como somos como sociedade. O futebol é a caricatura do que somos enquanto sociedade. Se imaginarmos o futebol como uma pirâmide social, na base estamos nós, os do campo. Sejamos pretos ou brancos, quem nos observa de cima nos vê como pretos, pois ou somos pretos pela cor da pele, ou somos da mesma origem social”, destacou o treinador.
Segundo ele, no entanto, o racismo não se manifesta apenas dentro de campo ou nas ofensas das arquibancadas. Assim como na obra do jornalista Marcos Guterman, O Futebol Explica o Brasil, Roger acredita que o esporte também reflete a sociedade e suas mazelas, como a marca deixada pela escravidão.
“O racismo se manifesta quando o jogo acaba, e vemos indivíduos de diferentes cores ascendendo de maneiras diferentes. Um ex-atleta branco consegue se esconder, mas eu não consigo; minha cor me denuncia. O futebol, na minha opinião, amplifica de todas as formas o que somos como sociedade: as coisas boas e as ruins. Este mês é importante para refletirmos, porque, em um país que foi construído em cima de 400 anos de escravidão, é impossível que não tragam vestígios dessa história”, opinou o treinador.
Traçando outro paralelo oportuno, o técnico ainda relacionou a Lei Pelé, de 1998, que regulamentou os direitos trabalhistas dos atletas, à Lei dos Sexagenários, de 1885, que, em tese, concedia liberdade aos escravos no Brasil acima de 60 anos. No entanto, a prática, em pleno regime escravocrata, não acontecia de fato.
“Para quem não lembra, a legislação que regia minha carreira era assim: eu era uma propriedade do clube, e, se me comportasse bem, aos 28 anos ganhava um percentual do meu passe, para que, aos 35 anos, tivesse a liberdade de escolher onde queria jogar. Se eu não aceitasse a renovação, o clube me colocava no passe da federação. Na escravidão, havia a lei do sexagenário, que dava liberdade ao escravo aos 60 anos, mas a expectativa de vida era aos 40”, finalizou o treinador.