O ex-lateral Edilson revelou, nessa terça-feira (6), bastidores inéditos da crise do elenco do Cruzeiro com o técnico Rogério Ceni, em 2019, durante a campanha do rebaixamento à Série B do Campeonato Brasileiro.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, Edilson detalhou um conflito pessoal com o treinador e citou a divergência de ideias de vários jogadores daquele grupo com Ceni.
“Não me dei muito bem e não me dou até hoje com o Rogério Ceni. Como jogador, foi um dos maiores goleiros da história do Brasil, é o maior ídolo do São Paulo. Tenho um respeito muito grande por tudo o que ele fez no futebol. Mas, na chegada dele ao Cruzeiro, não me dei bem com ele”, iniciou.
Na entrevista, Edilson ressaltou que a chegada de Rogério Ceni à Toca da Raposa II, em Belo Horizonte, foi uma ideia do próprio elenco em uma reunião com a diretoria.
“Ele chegou e saiu o Mano Menezes, um exemplo de liderança ali. Nosso time era muito experiente, bastante medalhão, era cascudo. A gente fez uma reunião com nosso diretor, e ele disse que estava com dúvida em quem contratar. Eu, o Fábio, o Dedé, Henrique, Léo, Ariel Cabral, Robinho, Egídio… uns sete jogadores [falaram]: ‘Vamos trazer o Rogério Ceni, está fazendo um bom trabalho no Fortaleza. É jovem, tem uma liderança, pode nos ajudar muito’”, completou.
Na sequência, Edilson relembrou a sua preparação para enfrentar o Inter, em confronto válido pela semifinal da Copa do Brasil de 2019. Após o jogo de ida, no Mineirão, com derrota por 1 a 0, Mano Menezes acabou demitido.
“Veio o Rogério Ceni. Estou voltando de uma lesão na panturrilha, sempre fui titular do Cruzeiro. A gente tinha sido um dos melhores na fase de grupos da Libertadores. Nisso, o Orejuela estava jogando, ia ser convocado para a Seleção Colombiana e a gente ia ter o jogo de volta contra o Inter aqui [em Porto Alegre]. Nesse meio-termo, falei comigo: ‘Vou me dedicar na preparação física’. E disse ao Rogério que queria ajudar nesse jogo de volta. Demorava um mês para esse jogo ainda”, disse.
Início de Ceni no Cruzeiro
Segundo o ex-jogador, a primeira crise de Ceni com o time do Cruzeiro começou em uma declaração infeliz do técnico logo após a sua estreia no cargo.
“No primeiro jogo dele, a gente vence o Santos em casa, por 1 a 0. Com cinco minutos, o Santos teve um expulso. Era obrigação vencer. Ele me dá uma coletiva e fala: ‘Meu time está muito velho, vou fazer algumas trocas’. Não tinha necessidade de fazer isso. Ele pode fazer as mudanças, mas não precisa expor que o time está velho. Era o mesmo time que tinha ganhado no ano passado, só tinha tirado o Arrascaeta. Mas tinha a contratação do Rodriguinho e de outros grandes”, afirmou.
“O time era muito bom, achei que ele já começou errando ali. No outro dia, pedimos uma reunião, porque ele nos expôs. Fomos eu, Fábio, o Ariel, o Henrique, o Léo, o Egídio, o Robinho, o Fred e o Thiago Neves. Tentamos falar para não nos expor, porque estávamos em uma situação difícil e queríamos sair juntos. Não criar mais tumulto no vestiário”, continuou.
Na conturbada reunião, Edilson e Fred tentaram explicar a Rogério Ceni que o momento difícil pedia a experiência dos “medalhões”. No entanto, o técnico rebateu a dupla.
“Eu falei: ‘Não que um menino de 18 anos vá render mais que nós. De repente, tem que pegar a quilometragem de quem está fazendo as coisas. O Fred falou: ‘Eu tenho 35 anos, mas tenho 19 gols na temporada. Não é só idade’. Aí o Rogério falou: ‘19 gols? 15 no Campeonato Mineiro, né?’. Aí a gente falou: ‘É f*’”.
Jogo contra o Inter
“Deu uma quebrada com o grupo ali. Eu sempre fui muito querido, porque sempre fui verdadeiro, meio que um líder. Eu venho para esse jogo contra o Inter. Eu fazia treinos depois do treino. Tava um gol de diferença, a gente tinha condição de ganhar. O time do Cruzeiro era muito bom”, ponderou.
Depois de ter ganhado ritmo de jogo em partidas anteriores, Edilson acabou sendo preterido pelo volante Jadson, improvisado na lateral no duelo com o Inter. A situação gerou um desgaste entre Edilson e Ceni.
“Ele me treina como titular. Viajamos para Porto Alegre, treino no CT do Grêmio. Nós prontos para o jogo, ele dá um recreativo. O Sassá chegou em mim e falou: ‘Se cuida, estou achando que ele vai botar o Jadson na lateral e não você’. Mudei meu semblante e falei: ‘Tá louco, Sassá?’. Ele falou: ‘É, mano, ele chegou para falar com o Jadson’. Pensei: ‘Car*, não acredito’. Sou lateral, e ele vai improvisar? Não aceito”, disparou.
“Eu treinei, ele tinha me colocado em dois jogos para dar sequência. Eu estava 100%. Chego na janta puto. No almoço, no outro dia, no dia do jogo, ele chega e me chama: ‘Edilson, olha só. Pensei aqui, não decidi ainda, mas estou na dúvida entre você e o Jadson. Talvez eu coloque o Jadson’. Falei para ele: ‘Rogério, eu aceito sua decisão, mas não concordo por ser da posição, experiente e por conhecer muito o nosso adversário, por ter me preparado para esse jogo’. Os caras do grupo já viram, foram no meu quarto e falaram: ‘Que sacanagem ele está fazendo’”, complementou.
Resposta no lanche
A decisão de Ceni escalar Jadson na lateral direita só foi comunicada horas antes do jogo. Quando Edilson soube que seria reserva, o camisa 2 correu para o quarto e deu as costas para Rogério.
“Eu fiquei puto, porque ele ia me dar a resposta no lanche. Chego no lanche, aí ele fala: ‘Decidi, Edilson, vou com o Jadson. Eu já tirei a comida e subi [para o quarto], não quis nem mais lanchar. Até a fome passou. O Dedé subiu lá e falou: ‘Ed, que merda, tirar você de uma decisão dessas, a gente precisando de você’. Levamos um vareio do Inter. 3 a 0, fora o baile”, relembrou.
Tentativa de reconciliação
Apesar da revolta de não ter jogado, Edilson tentou uma última oportunidade de se reconciliar com Ceni. Depois de uma atividade sem se olharem, os dois conversaram novamente em tom de divergência, o que abalou ainda mais a relação no clube.
“A gente chega em BH e o time numa situação horrível. No outro dia, no treino, eu e ele não conseguimos nos olhar. Foi uma das piores partes da minha carreira, eu não conseguia olhar para o treinador e nem ele para mim. Acabou o treino e falei que ia resolver”, avaliou.
“Esperei ele dar uns chutes no Rafael e no Fábio e falei: ‘Rogério, tem um minuto aí? Quero falar com você’. Tentei pela última vez: ‘Olha só, estamos na zona de rebaixamento, nosso grupo é bom. Aconteceu uma situação em Porto Alegre que, sinceramente, eu não concordo, mas já passou. Vamos seguir, temos que pensar no Cruzeiro e não em nós’. Aí ele falou: ‘Eu não errei lá em Porto Alegre’. Aí eu falei: ‘Acabou, você está certo’. Virei as costas e saí. Depois de lá, ele me deixou de fora das viagens até cair. Por esse motivo”, encerrou.
Números de Ceni no Cruzeiro
Sem força no vestiário, Rogério Ceni comandou o Cruzeiro em apenas oito jogos, com duas vitórias, dois empates e quatro derrotas. O aproveitamento foi de 33,33%.