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Líderes de Saia

A liderança feminina vai além de uma mera adaptação ao modelo masculino

Há uns dias ouvi a palestra de um polêmico sócio fundador de uma empresa de educação contando sobre a entrega da cadeira de CEO para uma mulher, após se envolver em cancelamento na internet ao manifestar a sua opinião sobre ser casado com uma líder executiva – “Deus me livre de mulher CEO”, nas suas próprias palavras. Ao narrar a conversa sobre a transição com seus sócios, argumenta que a sua sucessora “é cascuda; ela é nós de saia”. Em que pese a opinião dessa certa personalidade e daqueles que o acompanham, imprescindível falar que a liderança feminina vai muito além de cumprir cotas na gestão.

A liderança feminina vai além de uma mera adaptação ao modelo masculino. A expressão “ela é nós de saia” reforça um estereótipo que reduz o sucesso feminino ao associá-lo à repetição de padrões tradicionalmente masculinos, marcados por hierarquia, individualismo, estresse, rigidez e militarismo. Mais do que uma questão de repetição, a ausência de representação feminina em qualquer dos níveis da organização, sobretudo na gestão, perpetua preconceitos e limita o potencial do diverso.

No livro “Liderança Shakti: O Equilíbrio do Poder Feminino e Masculino nos Negócios”, que traz reflexões sobre a construção de uma liderança mais consciente e preparada para o mundo atual, é apresentado um estilo de liderança cooperativo, criativo, inclusivo e empático, justamente por trazer perspectivas femininas complementares às masculinas, como empatia, colaboração, escuta ativa e visão integrada. O feminino constrói vínculos e cuida. E o mundo, com suas feridas ambientais e sociais, com tanta intolerância ao diferente, precisa, mais do que nunca, de cuidados.

Razão e coração. Tanto na vida pessoal, quanto nos negócios, é preciso haver a valorização e a integração de ambos. Não uma competição. O propósito da promoção da diversidade e do equilíbrio entre o feminino e o masculino não está em valorizar uma energia sobre a outra, mas sim, compor equipes mais inovadoras, resilientes, eficazes e inclusivas, por meio de características únicas, complementares e sinérgicas.

A diversidade não é apenas uma pauta de inclusão, mas um diferencial estratégico para qualquer negócio que busca inovação e sustentabilidade. Mulheres na liderança trazem não apenas diversidade de gênero, mas também de pensamento, abordagens e soluções. Quando bem implementada, essa diversidade reduz os vieses inconscientes que perpetuam estruturas antiquadas, promove decisões mais assertivas e aumenta o engajamento das equipes, criando ambientes mais justos e produtivos.

Outro ponto é, quando o assunto é competência técnica, os dados revelam que as mulheres que ocupam os altos cargos de liderança possuem um grau de especialização maior do que as dos homens em todos os níveis da educação superior, talvez porque a predominância masculina no ambiente corporativo faz com que a especialização delas seja uma alternativa para validar a competência profissional, para que possam ocupar esses espaços. Se o assunto for resultado financeiro, o estudo “Delivering Through Diversity” (Entregando resultados por meio da diversidade, em tradução livre para o português), feito pela McKinsey, mostra que as empresas com mulheres na liderança performam, em média, 21% melhor.

Mesmo assim, há desafios. A visão de que mulheres precisam ser “cascudas” ou provar resiliência extrema para conquistar e manter posições de poder reflete os obstáculos adicionais que enfrentam para serem vistas como capazes. Isso vincula uma narrativa de resistência em vez de reconhecimento pleno de competências. Estudos mostram que mulheres sofrem mais julgamentos e preconceitos em posições de poder, mas o objetivo deve ser eliminar essas barreiras, não exaltar a resistência como pré-requisito para a liderança.

É necessário, portanto, que as organizações e a sociedade promovam mudanças estruturais que permitam o acesso a oportunidades iguais, independentemente do gênero. A liderança Shakti, ao enfatizar o equilíbrio entre as energias femininas e masculinas, mostra-se um caminho poderoso para desconstruir paradigmas. Mais do que um conceito abstrato, é uma prática que pode ser incorporada no dia a dia das empresas, por meio de políticas de inclusão, mentorias e esforços conscientes para criar ambientes de trabalho colaborativos e inovadores.

Ao final, o debate sobre liderança feminina não deve ser reduzido a uma questão de gênero. Trata-se de um compromisso com o futuro, em que a pluralidade de ideias e estilos de liderança se transforma em um motor para o crescimento, a inovação e a mudança social. Assim, compreender que promover mulheres em posições de poder não é uma questão de cumprir cotas, e sim, do reconhecimento de suas competências, técnicas e comportamentais, e de ampliar o horizonte para todos.

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Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.
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