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Tipos exemplares

Passado o primeiro turno das eleições, é preciso tratar de um tema também cotidiano, que toca a todos nós e que há tempos me desperta a atenção

Passado o primeiro turno das eleições, é preciso tratar de um tema também cotidiano, que toca a todos nós e que há tempos me desperta a atenção: os “tipos exemplares”.

Sim, caro leitor, não se sinta ofendido, pois não se trata de nenhuma tentativa de lhe vestir a túnica longa, com formato de poncho, usada na Santa Inquisição, como forma de atribuição de culpa, hoje mais conhecida pela expressão carapuça. A razão deste interesse é outra, pois o direito é uma área que lida com as relações humanas, o que nos permite conviver com muitos e variados tipos de pessoas. Basta uma simples andadela nos fóruns que o leitor perceberá as infinitas possibilidades de estudo do ser humano. Aliás, este privilégio não é só das ciências jurídicas. O leitor que caminha pelas ruas da cidade, em especial nas feiras, praças e padarias, bem sabe do que falo.

Recentemente me fiz a seguinte provocação: quais os mais chatos? Aí, encontrei, na minha experiência empírica, tipos já descritos por Paulo Mendes Campos, em texto de 30 de julho de 1960, chamado “tipos exemplares”. Vejam que curioso, o tempo passa e os tipos não mudam...

Em muitos deles, repito, desejando que a carapuça não sirva ao nosso leitor que certamente se lembrará de alguém, já que “só a força de vontade diminui em nós a chateação inata e compulsiva”. Portanto, não ser chato é um exercício diário, “resultado do esforço pessoal”, ou seja, a regra é mesmo o chato. Vejamos “algumas figuras bastante caracterizadas” e que permeiam os meios jurídicos:

O leitor provavelmente já se deparou com o NEC PLUS ULTRA que, segundo Paulo Mendes Campos, é aquele que “não te deixa contar vantagem”. Assim, “se vais a Paris no ano que vem, ele vai dar a volta ao mundo na próxima semana. Se ganhaste algum dinheiro, ele está milionário”. Esse tipo é extremamente comum. Eu, normalmente, o encontro quando volto de alguma viagem. Ele costuma perguntar se visitei algum lugar. Quando a resposta é negativa, ele de inopino diz: Então você não foi lá! Não há como fazer esta viagem sem ir ao lugar tal... No direito, o chato gosta de perguntar se você leu determinado livro. Normalmente algum bem antigo, que só ele tem. Ele é tão arrogante que, quando o encontro, acho que estou diante do autor da frase do Millôr Fernandes: Deus está morto, Marx está morto. Eu mesmo não me sinto muito bem.

Outro tipo curioso é o APERTO LIDRO ou DIABOLICUS, esse é o transmissor de más notícias. No caso dos advogados, é aquele que gosta de avisar ao outro causídico que o seu pedido será indeferido, custe o que custar, que o juiz é problemático ou que naquela vara nada funciona. O cronista diz que eles “são terrivelmente intuitivos” e te põem “a par de todas as conversas nas quais falaram mal de ti”, ou seja, é também um fofoqueiro inveterado.

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No meio jurídico, onde não faltam elogios, muitas vezes inversamente proporcionais às virtudes do homenageado, o ABIMO PECTORE é o mais comum. Segundo Paulo Mendes Campos, esse tipo “traz um eterno elogio nos lábios. Pergunta pela patroa e pelas crianças com exemplar regularidade. Faz um ar de extrema compaixão se lhes dizes que o Pedrinho anda meio resfriado”. Este aprendiz mesmo já ouviu de tudo, até que tem a estatura ideal. E olha que eu não estava no reino de Lilliput...

Outro bem comum é o HABEAS CORPUS, ou seja, aquele sujeito que só ele fala. E de tudo... Normalmente são os que menos sabem dos assuntos, embora se julguem uma enciclopédia. Querem sempre discutir um assunto, mas na forma de monólogo. Outro dia me deparei com um, durante uma palestra. O estudante, ainda na metade do curso, queria ensinar teorias mirabolantes para os mais renomados professores do país. Ao ser solenemente ignorado, passou a insistir e a confrontar cada um dos professores, impedindo-os de conversar inclusive no intervalo. Fiquei a imaginar o grau de afetação depois de formado. Para me livrar dele, quase tive de impetrar um “habeas corpus”, tamanho o grude. Segundo o cronista, “é o tipo que, depois de uma hora de conversa, na qual te explica assunto sem interesse, dá uma folga e se despede. Pois, mal chegas em casa, o telefone toca: é ele que retorna ao assunto pelo fio”.

Ah, também tem o INTER NOS ou AQUI PARA NÓS. Esse é terrível! Você, que não tem nenhuma intimidade com ele, encontra-o pelo fórum e, abruptamente, ele já lhe conta um suposto segredo, “pedindo discrição e alegando fonte secreta e fidedigna”.

Para terminar, eu não poderia deixar de compartilhar um segredo com o leitor, “aqui para nós”: O que mais me incômoda mesmo, o maior chato, é o IPSIS LITTERIS, tão comum no meio forense e encontrado da sacristia ao prostíbulo. Esse é “de polidez enervante e um convencionalismo verbal desesperador”. Ele “emprega sistematicamente os sinônimos incomuns das palavras inúteis. Nunca diz “recebi sua carta”, mas chegou a mim a sua missiva”. Este aprendiz já trabalhou com um desse. Eu simplesmente não conseguia compreender minimamente o que o sujeito escrevia.

É por isso que digo sempre: o Direito é uma área muito, muito interessante, mas exige paciência. E põe paciência nisso. De qualquer forma, às vezes esses tipos são até

divertidos, além de curiosos, daí porque tentei trazê-los aqui, embora sabendo que poderíamos gastar muito mais tintas em descrições, as quais deixo à imaginação do leitor. Agora, confesso que, ao nos depararmos com alguns destes tipos exemplares, a coisa fica bem pesada. Ultimamente, nestes casos, tenho me valido da dica do Millor Fernandes: “com muita sabedoria, estudando muito, pensando muito, procurando compreender tudo e todos, um homem consegue, depois de mais ou menos quarenta anos de vida, aprender a ficar calado”.

Em tempo: Numa outra crônica, Paulo Mendes Campos descreveu um tipo hipocondríaco, em “a arte de ser infeliz”. É aquele sujeito que “tem saúde de ferro; check-up e estação de águas todos os anos; seus males físicos são apenas dois: dor de cabeça (não toma comprimido porque ataca o coração) e azia (não toma bicarbonato porque vicia o organismo). Esse tipo é tão neurastênico que toma “banho frio por princípio, mesmo no inverno”. Ele “julga-se ameaçado: ao norte, pela queda de cabelo; ao sul, pela desvalorização da moeda; a leste, pelo acúmulo de matéria graxa; a oeste, pela depravação dos costumes”. Enfim, o seu mal profundo é “julgar-se um homem perfeitamente feliz”. Deixei este para o final, já que aqui a carapuça eventualmente serve a este aprendiz, e só a ele, claro! Afinal, há que se ter um pouco de senso crítico, não é mesmo caro leitor?

Bom, fico por aqui para evitar uma nova classificação, o HOMOS PROLIXIUS.

Ops. Este espaço também serve para dicas comportamentais, mas não sou “coach” (precisamos falar desses seres também! Em breve).


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Doutor e Mestre em Direito Penal pela UFMG e Desembargador no TJMG. Escreve aqui sobre Literatura, Arte e Direito.
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