A Procuradoria-Geral do Estado de Minas Gerais e a Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG) pediram formalmente participação no Recurso Extraordinário que trata da revitimização institucional sofrida por Mariana Ferrer durante o processo referente ao caso de estupro de 2018.
Em 3 de novembro de 2021, imagens divulgadas pelo “The Intercept Brasil” mostraram o advogado de André Aranha humilhando Mari Ferrer durante a audiência. Na ocasião, foram feitos comentários misóginos e expostas imagens manipuladas da vítima que, na verdade, eram fotografias profissionais como modelo e com roupa. O vídeo também mostrou que o defensor humilhou e desrespeitou a influenciadora por várias vezes sem que o juiz ou o promotor de Justiça interviessem.
Diante disso, os órgãos mineiros pediram para participar na condição de ''Amicus curiae’’. Com tradução literal de “amigo da corte”, esse recurso permite a entidades que tenham conhecimentos sobre o tema colaborar com Supremo Tribunal Federal (STF), trazendo novas perspectivas para o julgamento. Alexandre de Moraes analisará o recurso apresentado pela defesa de Ferrer que pede anulação da audiência que absolveu o acusado.
“Trata-se de um terceiro interessado, com representatividade adequada, que não é parte do processo, mas que ingressa para colaborar com o juízo oferecendo subsídios técnicos, jurídicos ou sociais relevantes para o julgamento”, disse a vice-presidente da OAB, Nubia de Paula.
Leia também:
Nubia acrescenta que, sem a presença de um ''Amicus curiae’’, o julgamento é conduzido exclusivamente com base nas provas, alegações e argumentos trazidos pelas partes diretamente envolvidas: autor e réu. Sendo assim, a decisão pode não considerar contextos que implicam e são implicados pelo ocorrido.
“Essas entidades não querem apenas opinar tecnicamente. Elas visam reforçar a tese da existência de violência institucional; levar ao STF argumentos que envolvem direitos humanos, gênero e processo penal; defender a criação de um precedente constitucional que coíba a revitimização de mulheres em juízo; e influenciar na construção de uma interpretação garantista do processo penal com perspectiva de gênero”, contou.
O Ministério Público de Minas Gerais requereu o ingresso porque a vítima tem endereço no estado e recebe acompanhamento dentro do MPMG, por meio da Casa Lilian (centro estadual de apoio às vítimas de violência doméstica e sexual). “A controvérsia possui acentuada repercussão social e jurídica, transcendendo o interesse individual, com impacto nos direitos fundamentais da vítima a um tratamento digno”, disse por meio de nota.
Casos de grande repercussão
Pautas como aborto de fetos anencefálicos, reconhecimento de união estável homoafetiva e porte de drogas para consumo pessoal já haviam contado com amigos da corte para ampliar o debate. “Não é [um recurso] incomum. Acontece em casos de grande repercussão como esse [da Mariana Ferrer]’', disse.
O Instituto Maria da Penha, uma referência nacional no enfrentamento à violência contra a mulher, também pediu ingresso no mesmo processo.
Questionado quanto à previsão do julgamento do recurso, o Supremo Tribunal Federa (STF) informou à reportagem, por meio de nota, que o processo está em segredo de Justiça, e não repassou outras informações sobre os pedidos.
Nubia de Paula disse que está em fase de julgamento de recurso. “Isso demandará um tempo. Estimo que de 2 a 4 meses até que haja uma decisão final”, finalizou.
Lei Mariana Ferrer beneficiou vítimas, mas não a própria vítima
O caso Mariana Ferrer, no qual ela foi humilhada em uma audiência, escancarou a violência institucionalizada e a revitimização, levando à formulação da Lei 14.245. Conhecida como Lei Mariana Ferrer, prevê punição para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e testemunhas durante julgamentos.