A discussão sobre a liberdade de um homem
O caso ocorreu em 19 de janeiro, quando Renata solicitou um carro por aplicativo para voltar para casa em Fortaleza. Durante a corrida, ela foi levada a um matagal, onde sofreu o ataque. O agressor a imobilizou com um “mata-leão”, deixando-a inconsciente. Ao recobrar a consciência, estava sendo estuprada enquanto era enforcada.
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De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Edilson Florêncio da Conceição foi condenado a oito anos de prisão por estupro e mais dois meses por resistência à prisão. Detido em flagrante no dia 5 de junho, ele já estava preso desde janeiro. Segundo o alvará de soltura obtido pelo Diário do Nordeste, Edilson cumpriu quatro meses e 12 dias de prisão.
Nesta semana, revoltada com a soltura, Renata gravou um vídeo expondo o medo que sente com o estuprador solto. “Mesmo com o depoimento de três policiais, testemunhas oculares, exame pericial, a confissão do agressor e toda a violência que sofri, ela julgou que ele poderia responder em liberdade”, desabafou Renata na gravação publicada no início da semana nas redes sociais.
Responder em liberdade
A Itatiaia conversou com o advogado criminalista Luan Veloso, a advogada criminalista e professora do IBMEC, Carla Silene, e a advogada Gabriela Resende Barreto, especialista em Direito da Mulher e parceira Não Era Amor para entender o que diz a legislação brasileira e esclarecer as principais dúvidas.
Os três especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que a decisão é respaldada pela lei brasileira. Segundo o próprio TJCE, em razão da pena aplicada, a lei permite aplicar o regime semiaberto. Como ele é réu primário e não tinha antecedentes criminais, foi reconhecido o direito de recorrer em liberdade.
Motorista de app condenado por estuprar passageira em Fortaleza
“Os tribunais superiores brasileiros, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), têm determinado que, quando o réu é condenado a cumprir pena em regime aberto ou semiaberto, ele pode recorrer da sentença em liberdade, justamente porque a própria pena imposta é mais branda do que a prisão preventiva, que se assemelha ao regime fechado”, explicou Luan.
Ele acrescenta que, “ainda que se trate de um crime bárbaro”, cabe ao juiz aplicar a legislação. “Caso o magistrado deixe de aplicar a legislação conforme foi estabelecida pelo Poder Legislativo, estaria, ele próprio, contrariando o ordenamento jurídico — o que pode configurar uma violação de seus deveres funcionais”, afirmou.
Cabe recurso?
A advogada Gabriela Barreto aponta o que é necessário para recorrer. “Ainda que seja uma sentença condenatória, é possível a interposição de recurso pela vítima, por meio de um(a) advogado(a) assistente de acusação, ou pelo Ministério Público, para questionar a pena aplicada e demonstrar que estão presentes, no caso concreto, os requisitos para a decretação ou manutenção da prisão preventiva do réu”, explicou.
Outro ponto relevante é o risco que o réu representa para a vítima, tanto física quanto psicologicamente. “Como a vítima, nesse caso, não é familiar nem companheira do réu, não se aplicam as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. Todavia, tanto a vítima quanto o Ministério Público podem requerer medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, como a proibição de manter contato com a vítima e seus familiares, para garantir sua segurança”, acrescentou.
Negligencia a vítima
Para Carla Silene, o problema está na visão punitivista da sociedade, que muitas vezes negligencia a vítima. “[A sociedade] se preocupa só em punir o réu e não em minimizar os danos causados à vítima. O ideal, e espero que os legisladores e a população se conscientizem, é que, para além da punição do agressor, a mulher vítima de violência receba amparo à sua saúde física, psicológica e mental para superar a dor e o trauma”, afirmou.
Ela também defende que o Estado seja responsabilizado pela falha na segurança da cidadã.
Outro ponto importante, segundo a advogada, seria o monitoramento do agressor — uma medida cautelar já prevista na legislação brasileira — para evitar a reiteração do crime e proporcionar maior tranquilidade à vítima até o fim do processo. “Nesse cenário, é desculpa de quem não quer enfrentar o problema de verdade alegar que a falha é da legislação penal brasileira. O sistema é falho, a estrutura é falha e a lei é focada somente na repressão do agressor”, concluiu.
Defesa do motorista de app
A defesa de Edilson Florêncio, conduzida pela advogada Carolina Dantas Azin Rocha, afirmou ao G1 que, embora o crime seja classificado como hediondo, a fixação da pena deve respeitar os princípios constitucionais da legalidade.
“Essa decisão não representa absolvição nem impunidade, mas o estrito cumprimento da legislação brasileira. Trata-se do respeito ao devido processo legal, com possibilidade de reexame pelas instâncias superiores, conforme previsto no ordenamento jurídico. A defesa continuará atuando com ética, responsabilidade e respeito à dor da vítima, reafirmando que a verdadeira justiça deve ser feita com base na lei, e não movida por reações emocionais ou pressões sociais”, afirmou a advogada em nota.